
Para quem tem mais de 35 anos é simplesmente impossível não conhecer este fenômeno da cultura Pop nipônica. Há exatamente 40 anos nascia O Fantástico Jaspion. Criado pela Toei Company e lançado em 15 de março de 1985 na emissora japonesa TV Asahi, Jaspion marcou uma geração e se tornou um verdadeiro fenômeno no Brasil, consolidando o gênero tokusatsu no país.
UM DOS GRANDES HERÓIS DA MINHA INFÂNCIA
O saudoso ano de 1988 ficou marcado por grandes programas televisivos e ótimos filmes. Eu tinha 10 anos de idade e a cultura pop inundava a programação de minhas semanas, divididas entre programas como Os Trapalhões, MacGyver (Profissão: Perigo) e vários desenhos animados da época como He-Man, Caverna do Dração e Thundercats. As novidades eram constantes com novas séries, desenhos e animações sempre sendo lançados ainda que com considerável atraso entre a transmissão no país de origem e no Brasil. O objetivo de praticamente todas era lucrar com os inúmeros produtos licenciados, de action figures (bonequinhos) a lancheiras e HQs.
Entretanto, ainda que alguns dos melhores filmes que assisti em minha vida tenham sido lançados exatamente em 1988 como Duro de Matar (Die Hard, um dos melhores trillers de ação com Bruce Willis), Uma Cilada para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, inesquecível comédia animada de Robert Zemeckis que conseguiu reunir personagens da Disney e da Warner) e Corra Que a Polícia Vem Aí! (The Naked Gun, comédia hilária com Leslie Nielsen), nada impactou tanto minha infância, naquele ano como a estreia do primeiro grande fenômeno Tokusatsu do Brasil: o Fantástico Jaspion.
Coleção de brinquedos do Jaspion – Imagem: Glasslite
Em 22 de fevereiro a saudosa Rede Manchete lançou o primeiro episódio de Jaspion juntamente a outro tokusatsu famoso Changeman no programa Clube da Criança, na época comandado pela Angélica. O sucesso foi tão absurdo que 9 em cada 10 meninos daquela época passaram a consumir tudo que tinha com o herói japonês estampado como cadernos, mochilas, máscaras, bonequinhos, álbuns de figurinhas e até uma versão nacional em quadrinhos.
Devido à enorme popularidade, o personagem tornou-se o protótipo do herói japonês no país, imagem que se mantém até os dias atuais.
O INÍCIO DE UMA LENDA
Jaspion faz parte da franquia Metal Heroes, um conjunto de séries de heróis metálicos que dominaram a televisão japonesa nos anos 80 e 90. Apesar do estrondoso sucesso no Brasil ele foi o 4º Metal Hero criado no Japão. Seus antecessores foram Gavan (1982-1983), Sharivan (1983-1984) e Shaider (1984-1985), e provavelmente por isso Jaspion teve uma recepção moderada no Japão. Já no Brasil, tendo sido o primeiro e grande “herói solitário” japonês, Jaspion se tornou um estrondoso sucesso depois seguido pelos também icônicos “heróis solitários” Jiraya, Black Kamen Rider e Jiban.
Ao longo de 46 episódios, a trama gira em torno das aventuras do jovem Jaspion (interpretado por Hikaru Kurosaki), um órfão intergalático criado pelo profeta Edin (Noboru Nakaya) que o incumbiu de combater as forças do vilão Satan Goss (voz de Shouzou Iizuka), uma espécie de satanás da Via Láctea criado por todas as energias negativas do universo. Assim ele recebe do sábio eremita a bela e atrapalhada androide Anri (Kiyomi Tsukada), todos os equipamentos e armas incluindo sua armadura e a nave Daileon e no caminho ganha também a companhia de uma simpática monstrinha, a Mi-ya (voz de Atsuko Koganezawa). Após passar por diversos planetas, Jaspion chega à Terra que está sob ameaça de monstros do mal liderados pelo vilão MacGaren (Mad Galant no original interpretado por Junichi Haruta), assecla (e não filho como todos sempre achamos!) do temível Satan Goos, que tem o poder de enfurecer os seres e transformá-los em monstros incontroláveis. Além de proteger a humanidade, uma das missões de Jaspion na Terra era encontrar trechos de uma bíblia intergaláctica (!) que explicava como destruir Satan Goss.
Jaspion e MacGaren – Imagem: Toei Company
A história criada para a saga de Jaspion é diferente da trama dos 3 Metal Heroes antecessores, inovando tanto no visual quanto no enredo, contado num total de 46 episódios de 25 minutos cada. Além de excelentes personagens e de episódios muito marcantes, mesclando humor, ação, drama e até momentos de terror (quem não se lembra da ressurreição de MacGaren pela bruxa Kilza?), Jaspion foi o primeiro Metal Hero a introduzir uma nave que se transformava num robô gigante, o Daileon.
O carisma do protagonista e dos demais personagens, todos os visuais marcantes (em especial do vilão MacGaren, um dos melhores até nos dias de hoje), as batalhas épicas e a trilha sonora marcante conquistaram milhares de fãs criando um legado que perdura até hoje.
O CAMINHO DO SUCESSO NO BRASIL
A série só veio para nosso país em 1987, através do empresário japonês Toshihiko Egashira, dono de uma vídeo locadora que alugava para seus clientes fitas gravadas do seriado com o selo da Everest Video, fazendo um sucesso mediano. Ao tentar trazer de forma oficial para os canais brasileiros, Globo e SBT recusaram e apenas a TV Manchete decidiu investir.
Empresário Toshihiko Egashira em palestra de 2017 – Crédito: Mundook.com.br
Depois de tentativas frustradas de trazer a série oficialmente para os canais Globo e SBT que recusaram a proposta, tudo mudou quando a Rede Manchete comprou os direitos e encomendou a dublagem com o Estúdio Álamo, lançando o seriado em fevereiro de 1988. Jaspion se tornou uma lenda, e abriu as portas para vários outros tokusatsus de grande sucesso!
Para quem não sabe, o termo Tokusatsu tem origens no teatro japonês antigo, especificamente no kabuki e no bunraku se referindo a filmes ou séries de ação com atores reais e muitos efeitos especiais. A palavra é uma abreviação de Tokushu Kouka Satsuei, que significa “filme de efeitos especiais”. Basicamente, o conceito era de heróis vestindo armaduras metálicas e pilotando veículos e naves com batalhas cheia de explosões em pedreiras, e enfrentando um império do mal.
BASTIDORES E CURIOSIDADES
- No Brasil, a dublagem ficou marcada pelo carisma e pela adaptação criativa de algumas falas, tornando frases como “Pela luz de Daileon!” inesquecíveis. Os principais dubladores foram Carlos Takeshi (Jaspion), Ricardo Medrado (MacGaren), Líbero Miguel (Satan Goss), Denise Simonetto/Cecília Lemes (Anri), Borges de Barros (Edin), Suzana Lakatos (Mi-ya), Carlos Laranjeira (Boomerman) e Maximira Figueiredo (Bruxa Kilza), além dos narradores Benjamin Filho (episódios 1 a 16) e Francisco Borges (episódios 17 a 46).
- O dublador brasileiro do protagonista, Carlos Takeshi, tem ascendência japonesa. Você deve se lembrar dele vendendo produtos no Infoshop e no Shoptime. Ele participou de várias novelas da Rede Globo, como A Viagem, Rei do Gado e Belíssima. Dublou também Change Griffon em Changeman, Tremi Sagitta em Cavaleiros do Zodíaco. Por fim, participou de projetos educativos, como Telecurso 2000 e apresentava um programa de curiosidades científicas na Cultura no começo dos anos 90.
- Toda vez que o vilão Satan Goss aparecia para transformar os monstros em seres maléficos, tínhamos o dublador narrando a famosa frase “Satan Goss tem o poder de enfurecer os seres e transformá-los em monstros incontroláveis”.
- O nome da música de Daileon, que muitos no Brasil conhecem por “O cara tossiu”, é Chou Wakusei Sentou Hokan Daileon. Ela é cantada por Akira Kushida. Abaixo, segue um vídeo hilário com a “irreverente tradução brasileira”.
- Além de Darth Vader (Star Wars), o vilão Satan Goss foi inspirado em figuras demoníacas de mitologias antigas, tornando sua presença ainda mais assustadora.
- Com tanto alarde causado por Jaspion, a TV brasileira tentou emplacar a série Spielvan com o nome Jaspion 2, mesmo a nova série não tendo nada a ver com sua antecessora e não obtendo o mesmo sucesso.
- O ator que interpretou o Jaspion, Hikaru Kurosaki, nunca chegou a vestir a armadura do herói, que era usada apenas por seus dublês. Ele começou sua carreira como ator e dublê, fascinado por Sonny Chiba, artista marcial e dublê fundador do Japan Action Club. Kurosaki decidiu, no entanto, largar a carreira artística nos anos 90 por desentendimentos com Sonny Chiba. Atualmente, trabalha como instrutor de mergulho em Okinawa e, diferente de outros astros japoneses da época, não participa de feiras e convenções e vive bem distante de seus fãs.
- Já o ator Junichi Haruta, que intepreta Macgaren, sempre dispensou dublês. Ele participou de vários tokusatsus, como Solbrain, Google V, Cybercops e Jiraya, e continua atuando até nos dias de hoje.
- O cabelo de Jaspion foi mudado várias vezes durante a série com o intuito de aumentar a aceitação dele junto ao publico japonês, que não era muito grande. As séries de sucesso tinham 50 episódios e Jaspion não conseguiu chegar a este número devido à recepção morna do público na terra do Sol Nascente.
Os diversos penteados de Jaspion – Imagem: Toei Company
- Outras emissoras acabaram exibindo a série, além da TV Manchete após a emissora fechar suas portas, como a Rede Record, a CNT/Gazeta e mais recentemente, a Band. Todas em busca do mesmo sucesso obtido pela Manchete.
- O personagem Myia, a monstrinha que ajuda Jaspion em suas missões tem seu visual muito parecido com os famosos Teletubbies, lançados anos mais tarde. Coincidência ou não acabou sendo uma grande homenagem à personagem, que não fazia muito sucesso nem no Japão e nem no Brasil.
- Jaspion deu várias surras na Rede Globo em audiência o que a deixava desesperada. Porém, nunca chegou a ultrapassar a audiência das novelas globais, mito que chegou a ser propagado durante muitos anos.
- Em sua passagem pelo Brasil como convidado do evento Anime Friends 2003, o ator Hiroshi Watari (Boomerman) revelou que sua personagem fora criada para suprir a falta de tempo do ator principal, Hikaru Kurosaki, que na época, atuava também no teatro. No entanto, a necessidade de uma cirurgia para a retirada de sete pinos de uma perna (devido a um acidente de moto sofrido anos antes), acabou obrigando os produtores a retirarem Boomerman da trama após seis episódios. Depois da cirurgia, ele ainda voltou para atuar em mais dois episódios para encerrar sua participação. Em seguida, a Toei convidou-o para ser o ator principal na série seguinte Spielvan (1986).
- A armadura de Jaspion (chamada de Traje Metaltex no Brasil) tinha alguns poderes: (1) Ativação apenas com o pensamento, (2) Super velocidade, (3) Super força, e (4) o sensor ótico, que dava visão raio-x, permitindo ao herói enxergar a longas distâncias e até a ver inimigos invisíveis.
Imagem: Toei Company
- A seu dispor, Jaspion tinha vários veículos: um carro (um Mazda RX7), a Allan Moto Space (originalmente Iron Wolf), o Gaibin, que podia se dividir no Gaibin Tanque e no Gaibin Jet, além, é claro, da nave Daileon, que se transformava no Gigante Guerreiro Daileon. Todos fizeram a festa das empresas fabricantes de brinquedos licenciados!
- O Pássaro Dourado é o deus que protege o universo e todas os sentimentos bons e é provavelmente, o único ser que causava temor em Satan Goss. Ele ajuda Jaspion algumas vezes durante a série salvando-o da morte e levando à derradeira destruição do vilão ao se tornar uma espada para Daileon.
- A TV Manchete demorou anos para apresentar o episódio final da série, deixando os fãs frustrados.
- O final da série cheio de reviravoltas, tem aquele clima de batalha final que só mesmo num seriado japonês pra ser tratado de modo tão divertido e ao mesmo tempo solene e dramático.
O LEGADO DE JASPION
Mesmo após quatro décadas, Jaspion continua sendo lembrado com carinho pelos fãs. O herói inspirou uma geração de apaixonados por tokusatsu, influenciou produções futuras e permanece relevante por meio de eventos, relançamentos e novos produtos. Em 2020, a Editora JBC lançou um mangá brasileiro do personagem, renovando seu impacto na cultura pop nacional.
Em comemoração aos 40 anos, diversas homenagens estão sendo feitas, incluindo eventos especiais, produtos comemorativos e até a expectativa por uma possível nova adaptação. Nelson Sato, CEO da Sato Company, atual detentora dos direitos da série no Brasil, revelou que o aguardado filme brasileiro do Jaspion está com o lançamento planejado para 2027. O projeto promete trazer uma releitura do herói clássico, mantendo a essência que conquistou gerações, mas com uma abordagem moderna e tecnológica.
Para quem tiver vontade de conhecer ou de rever o herói, todos os episódios estão disponíveis no catálogo do Prime Video e no canal da Tokusato do YouTube.
O legado de O Fantástico Jaspion segue firme e forte, provando que a nostalgia e a paixão dos fãs mantêm vivo o espírito desse clássico. Seja na memória dos que cresceram assistindo ou no coração dos novos admiradores, Jaspion segue como um verdadeiro ícone do tokusatsu.