Com todo o burburinho causado pelo recentemente lançado Branca de Neve (Snow White, 2025), a mais recente adaptação de animação clássica da Disney para uma versão live-action, achei pertinente analisar o porquê da profusão destas adaptações nos últimos anos. Aproveito também para deixar minhas impressões deste filme e de outras tentativas, algumas bem-sucedidas e outras, bem decepcionantes.
O APELO DA NOSTALGIA
Nos últimos anos, Hollywood tem investido fortemente em adaptações live-action de animações clássicas. Essa tendência, que resgata filmes de décadas passadas e os adapta para um novo formato, tem gerado debates acalorados entre fãs e críticos. Mas o que explica essa febre de remakes e qual é o seu impacto na indústria cinematográfica?
Um dos principais motivos para o interesse crescente nestas adaptações é, obviamente, a nostalgia. Muitas das animações que estão sendo refeitas em live-action marcaram a infância de diversas gerações. Ver personagens icônicos ganhando vida em carne e osso desperta um sentimento de reconexão emocional, atraindo tanto o público adulto quanto novas audiências.
O Rei Leão – Imagem: Disney+
TECNOLOGIA E REALISMO
O avanço tecnológico também tem sido um fator determinante. Com os progressos em CGI e efeitos visuais, os estúdios conseguem criar mundos fantásticos com um realismo impressionante. Filmes como O Rei Leão (The Lion King, 2019) e Mogli: O Menino Lobo (The Jungle Book, 2016) demonstram como a tecnologia pode transformar uma animação tradicional em uma experiência cinematográfica visualmente deslumbrante.
Na minha opinião, a maioria dos clássicos em 2D são insuperáveis, mas com a falta de criatividade atual, cabe sim tentar trazer readaptações para atrair novos públicos. Mesmo que ganhem uma repaginada, não podemos esquecer que os clássicos continuarão existindo, podendo ser assistidos a qualquer momento.
Assisti a todos os clássicos há alguns anos com meu filho Rafael, hoje com 20 anos de idade, e reassistirei novamente a todos com meu filho Henrique, que neste sábado (29/03) completa seus 5 meses de idade. Entendo, por exemplo, que cada versão de O Rei Leão, seja a animada (de 1994) ou a em “quase live-action” (de 2019) têm seus méritos.
LUCRO GARANTIDO OU UMA APOSTA ARRISCADA?
Do ponto de vista comercial, as adaptações live-action são uma aposta segura para os estúdios. Como esses filmes já possuem uma base de fãs consolidada, as chances de sucesso de bilheteria são enormes. Títulos como A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 2017) e Aladdin (2019) arrecadaram bilhões de dólares mundialmente, comprovando a viabilidade financeira dessas produções.
Diretor Guy Ritchie e atores Naomi Scott e Mena Massoud nos bastidores de Aladdin – Divulgação: Disney
Entretanto, algumas obras têm enfrentado sérios problemas devido à insistência em “repaginar” alguns destes clássicos, desvirtuando suas essências e provocando um efeito de aversão por parte do público. Tanto Dumbo (2019) quanto o mais recente Branca de Neve (2025) se mostraram fracassos retumbantes.
FIDELIDADE OU INOVAÇÃO?
Um dos maiores desafios destas refilmagens é encontrar o equilíbrio entre a fidelidade ao material original e a inovação. Enquanto alguns filmes tentam recriar fielmente cada cena da animação, como O Rei Leão, outros optam por expandir a história, trazendo novos elementos e aprofundando os personagens, como Malévola (Maleficent, 2014), que deu uma nova perspectiva à vilã de A Bela Adormecida (Sleeping Beauty, 1959).
As inovações tecnológicas são quase sempre muito bem-vindas. O problema é quando há interferências diretas e muito profundas na lore dos personagens e no contexto das fábulas. Ainda que sejam pertinentes algumas mudanças, como o aprofundamento maior de alguns personagens, ou mesmo a revitalização de alguns conceitos, quando estas mudanças afetam a essência destas obras, como o que foi feito com a adaptação do clássico mais antigo da Disney, Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937, a ojeriza do público e da crítica se fazem presentes.
GRANDES SUCESSOS
Dentre algumas adaptações de animações bem-sucedidas, ainda que não isentas de polêmicas, cito 4 que ganharam grande destaque.
(Beauty and the Beast, 2017)
A Bela e a Fera – Divulgação: Disney+
Com Emma Watson e Dan Stevens nos papéis principais, o filme arrecadou mais de US$ 1,2 bilhão e foi aclamado por sua fidelidade ao original e pelo seu visual impressionante, bem fidedigno à animação de 1991. Toda a essência da animação original foi mantida, e ainda houve um aprofundamento maior na história de alguns personagens sem descaracterizá-los. Com uma nota de 7.1 no IMDB, o longa teve uma boa aceitação do público fã da animação.
Aladdin (2019)
Alladin – Divulgação: Disney+
Estrelado por Will Smith como o Gênio, Mena Massoud como o jovem Aladdin e Naomi Scott como a Princesa Jasmine, o longa conquistou o público e ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão nas bilheteiras. Com uma nota 6.9 no IMDB, conseguiu o intento de satisfazer uma rede de fãs que acompanharam foto por foto toda a produção. Ainda que o vilão Jafar, interpretado por Marwan Kenzari, não tenha agradado, a história da animação clássica de 1992 está toda ali, num roteiro comedido e bem feito pelo diretor Guy Ritchie e pelo co-roteirista John August. E olhe que substituir o icônico (e saudoso) Robin Williams, que deu voz e trejeitos ao gênio da animação, nunca foi uma tarefa considerada executável, mas Will Smith soube dar sua versão do Gênio de forma bem assertiva.
Mogli – O Menino Lobo (The Jungle Book, 2016)
Mogli – O Menino Lobo – Divulgação: Disney+
Considerado um dos melhores remakes de animações em live-action, este filme foi elogiado pelos efeitos visuais inovadores e pela abordagem mais madura da história clássica, de 1967. Com um desconhecido Neel Sethi interpretando (muito bem!) o protagonista Mogli, coube ao elenco incrível tornar esta obra icônica com suas vozes para os diversos personagens animais. Destaque para Bill Murray (o urso Baloo), Ben Kingsley (a pantera Bagheera), Giancarlo Esposito (o lobo Akela), Christopher Walken (o orangotango King Louie) e Idris Elba (o tigre Shere Khan), dentre outras participações muito especiais. O diretor Jon Favreau soube criar uma fábula muito fiel à animação original e muito inovadora, e não por acaso possui a nota 7.3 no IMDB, uma das melhores dentre estas adaptações.
Cinderela (Cinderella, 2015)
Cinderela – Divulgação: Disney+
Com um orçamento de US$ 95 milhões e uma receita de quase US$ 550 milhões, esta adaptação da animação clássica de 1950 foi um grande sucesso. Estrelada por Lily James (Cinderella), Cate Blanchett (Madrasta) e Richard Madden (Príncipe), a obra Captou com assertividade a essência da obra original da Disney, por sua vez uma adaptação de um conto dos Irmãos Grimm. O diretor Kenneth Branagh conseguiu transpor para a tela, com atores reais, toda a magia da animação da Disney com sua habitual eficácia. Com nota 6.9 no IMBD, o filme é considerada também uma obra bem-sucedida.
FRACASSOS E POLÊMICAS
Nem todas as adaptações live-action conseguiram repetir o sucesso das animações originais. Alguns filmes enfrentaram críticas pesadas e, se não chegaram a fracassar nas bilheteiras, foram muito aquém das expectativas de arrecadação.
Dumbo (2019)
Dumbo – Imagem: Disney+
Dirigido por Tim Burton, a adaptação live-action do clássico da Disney de 1941 teve uma recepção morna e arrecadou cerca de US$ 350 milhões, um valor considerado abaixo das expectativas. O filme teve um desempenho ruim, arrecadando pouco mais de US$ 353 milhões para um orçamento de aproximadamente US$ 170 milhões, valor bem abaixo das expectativas do estúdio. Além disso, o longa estrelado por Colin Farrell, Eva Green, Michael Keaton e Danny DeVito foi massacrado nas críticas. Com uma nota até mediana de 6.3 no IMDB, o animalzinho criado por CGI é muito cativante, mas a inexpressividade dos personagens humanos deixa a história capenga e muito previsível.
Mulan (2020)
Mulan – Imagem: Disney+
Apesar do grande orçamento e da tentativa de modernizar a história, o filme foi criticado por remover elementos icônicos da animação, como o dragãozinho Mushu (interpretado por Eddie Murphy na animação de 1998), além de enfrentar boicotes por questões políticas. O longa dirigido por cineasta neozelandeza Niki Caro e estrelado por Yifei Liu como Mulan teve um desempenho pífio nas bilheteiras, com uma receita de quase US$ 69 milhões, valor muito abaixo do esperado. Ainda que tenha sido afetado pela pandemia do Covid-19, o enredo e seus personagens, tão incríveis na memorável animação de 1998, foram muito mal trabalhados nesta versão. Sua nota de 5.8 no IMDB representa bem o fracasso na aceitação pública.
Pinóquio (Pinocchio, 2022)
Pinóquio – Imagem: Disney+
Dirigido por Robert Zemeckis e estrelado por Tom Hanks, a adaptação recebeu inúmeras críticas negativas por seus efeitos visuais pouco convincentes e a falta de emoção na narrativa. Com uma nota pífia de 5.1 no IMDB, esta adaptação da animação da Disney de 1940 foi uma das maiores decepções de 2022, com toda a essência da obra original esfacelada por ideologias que em nada acrescentaram de relevante para a história. Para piorar, no mesmo ano estreou uma outra adaptação do livro de Carlo Collodi, dirigida por Guillermo Del Toro, que não só foi um sucesso de bilheteria como encantou críticos e público, angariando o Oscar de melhor animação no ano seguinte.
A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 2023)
A Pequena Sereia – Imagem: Disney+
Com Halle Bailey no papel de Ariel, a adaptação da animação clássica da Disney de 1989 foi também alvo de polêmicas, principalmente ao alterar a etnia da protagonista. Outra repercussão negativa do filme foi quanto a mudanças consideradas ineficazes no enredo, que ao tentarem inovar acabaram por gerar críticas severas por parte dos fãs da obra original. Com uma nota 7.2 no IMDB, a arrecadação nas bilheterias foi bem abaixo da esperada. A atriz Halle Bailey teve uma belíssima interpretação, principalmente quanto às músicas por ela cantadas, mas acabou sendo alvo de muitos haters pela mudança da etnia de uma princesa já muito reconhecida pelas crianças como branca e ruiva. Outro alvo de crítica foi a péssima adaptação de um dos personagens mais queridos da animação, o Sebastian.
Branca de Neve (Snow White, 2025)
Baseando-se no maior clássico animado da Disney, que em 1937 não somente revolucionou Hollywood como criou a base do império Disney, esta adaptação foi permeada por diversas polêmicas desde o início da produção:
- Ao escalarem a atriz Rachel Zegler (Amor, Sublime Amor, 2021), uma cantora e atriz americana com origem colombiana, a já habitual mudança de etnia causou a repulsa de grande parte do público. Diferente de outros casos, no entanto, a mudança se tornou ainda mais polêmica devido ao título da obra e nome da personagem principal, que remetia diretamente à cor branca de sua pele.
- A escalação de Gal Gadot (Mulher-Maravilha, 2017) como a Rainha Mã aumentou a apreensão dos fãs, que comparavam a beleza entre as duas protagonistas da história. Na visão do público, Branca de Neve deveria ser mais bonita fisicamente que a Rainha Mã, e não o contrário.
- Peter Dinklage (Game of Thrones, 2011-2019), renomado e premiado ator com nanismo, questionou num podcast sobre a escalação de anões em papéis estereotipados que trabalhavam em minas, afirmando ser contra a ideia. A Disney, então, decidiu abortar a ideia dos anões, inserindo “criaturas mágicas”, e após a grande repercussão negativa do público e da crítica, voltou atrás e inseriu “seres mágicos digitais” no lugar dos anões. A polêmica se tornou ainda maior com a reclamação de atores anões que consideraram um absurdo perderem papéis relevantes devido à opinião de Dinklage.
- Em entrevistas, Rachel Zegler declarou não ser fã da animação original, e afirmou que a adaptação mudaria toda sua essência, focando numa Branca de Neve líder e que desprezava a ideia de um príncipe.
- A Disney, percebendo a quantidade de deslikes nos teasers lançados no YouTube e a repercussão negativa do público quanto às declarações e a algumas fotos divulgadas, adiou o filme em mais um ano, incluindo novas cenas e refazendo outras, incluindo a inserção digital dos “anões mágicos”, o que aumentou consideravelmente os custos do projeto.
- Com o conflito entre Israel e os Palestinos vindo à tona no mundo após o atentado execrável de outubro de 2024, Rachel Zegler se envolveu em nova polêmica ao declarar apoio aos Palestinos, sendo que sua colega de elenco Gal Gadot é uma atriz israelense e pró-Israel. O clima entre as duas, segundo a imprensa, ficou terrível.
- Rachel Zegler, mais uma vez, se envolveu em polêmicas ao criticar os eleitores de Donald Trump.
- A Disney tentou intervir para reparar novamente os danos, retirando as 2 atrizes da premiere e orientando Rachel Zegler a não dar mais declarações sobre o longa.
O estrago, no entanto, já estava mais que consumado. Com o lançamento mundial em 20/03/25, a bilheteria ficou muito abaixo das expectativas mais pessimistas, e tanto público como a crítica detestaram o filme. Com uma nota atual de 1.6 no IMDB, o longa se tornou o mais recente exemplo de como destruir uma obra.
MINHA OPINIÃO SOBRE BRANCA DE NEVE (sem spoilers)
Assisti ao filme anteontem, e como fã da animação de 1937, posso afirmar que se trata de uma das piores adaptações em live-action de uma animação de todos os tempos, só ficando atrás do desastroso Pinóquio, de 2022. Não dá para entender como com um orçamento de US$ 269,4 milhões conseguiram entregar cenários tão terríveis, aparentemente todos feitos em estúdio, que em nenhum momento transmitem a ideia de um “reino”.
A história foi obviamente refeita e mal remendada, provavelmente para inserção de um núcleo mais fiel à animação original depois das inúmeras polêmicas. A Disney e o diretor Marc Webb parecem renegar a todo instante a obra original, mudando toda a essência da animação, e a inserção de conceitos ideológicos e temáticas feministas só piorou a situação, nos afastando a todo instante da fábula mais que conhecida.
Quanto às atuações, Rachel Zegler não chega a comprometer tanto quanto eu imaginava e até canta bem (seu maior atributo), mas suas caras e bocas deslocadas do contexto e seu penteado atrapalhavam a imersão na história a todo instante, assim como um certo rancor que as declarações anteriores da atriz provocaram e que ficaram indissociáveis enquanto eu, fã da obra original, assistia ao longa. Já Gal Gadot não consegue entregar uma performance nem sequer razoável, principalmente quando a comparamos com outra intérprete da Rainha Má numa adaptação anterior, a Charlize Theron de Branca de Neve e o Caçador (2012). Suas tentativas frustradas de parecer má, principalmente quando cantava, foram muito ruins.
Todas as cenas inspiradas na animação conseguiram ser piores que a versão em 2D, sem alma e sem carisma, assim como todas as cenas musicais. Ainda que uma caracterização ou outra nos remeta às cenas icônicas da animação, tudo era bem inferior, mesmo com a distância de quase um século entre as obras. Os diálogos, em sua grande maioria, soaram vazios e sem sentimentos, principalmente nas novas conversas inseridas no longa, e a desculpa usada para a inveja da Rainha Má também não convenceu.
Os “anões mágicos em CGI”, como esperado, caíram no vale da estranheza, e a relação entre eles e Branca de Neve, que era a essência da animação, se apresentou vazia e sem sentido, assim como todos os demais personagens inseridos na história, desde o “não príncipe” a sua trupe de bandidos, que nada de relevante acrescentaram. Ainda que simples e direta, a animação original nos apresentava a Anões com muita personalidade, tão icônicos e carismáticos que se tornaram símbolos dos valores da Disney durante muitas décadas. Eram, afinal de contas, um símbolo único da genialidade de Walt Disney.
Para finalizar a terrível experiência, o filme termina com uma festa onde todos os personagens sobreviventes cantam e dançam trajando vestes brancas, o que remete automaticamente às terríveis “white parties” (festas brancas) do criminoso P. Diddy, o que só comprova a total falta de bom senso da Disney nesta obra triste e esquecível.
O FUTURO DAS ADAPTAÇÕES EM LIVE-ACTION
O mercado de refilmagens live-action parece longe de desacelerar. Com alguns títulos em produção, os estúdios continuam a explorar esse formato. Além desses, outros filmes live-action já foram anunciados e estão em diferentes estágios de desenvolvimento:
Lilo & Stitch: Previsto para estrear no Disney+ em abril, trará uma nova versão do clássico de 2002, misturando CGI e atores reais. O trailer divulgado recentemente trouxe muito hipe, e aparenta se tornar um sucesso retumbante devido à fidedignidade à obra original.
O Corcunda de Notre Dame: Ainda sem data oficial de lançamento, a produção pretende trazer um tom mais dramático à história do clássico da Disney.
Bambi: Um remake em CGI está sendo desenvolvido, prometendo uma abordagem mais realista e emocional da história do jovem cervo.
Hércules: Já está em pré-produção a adaptação live-action da animação do heroi grego de 1997, e a escolha do elenco já está para ser divulgada nos próximos meses pela Disney.
Robin Hood: Uma versão modernizada e musical do clássico da Disney de 1973 está sendo planejada para o Disney+.
Independentemente das opiniões divergentes, é inegável que as refilmagens live-action continuam a moldar a indústria cinematográfica atual, trazendo novas perspectivas sobre histórias clássicas e encantando tanto antigos quanto novos espectadores.