
Muito mais que o primeiro super-herói de grande sucesso no universo pop, Superman representa um legado de décadas como o ápice do heroísmo. Criado por Jerry Siegel (escritor) e por Joe Shuster (artista) em 1938, com sua estreia na revista Action Comics #1 em abril daquele ano, seu impacto cultural é gigantesco.
Pertencente à vasta galeria de heróis da DC Comics, composta por outros grandes personagens como Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde e inúmeros outros, Superman sempre se destacou como o mais poderoso de todos, ainda que sua popularidade tenha sido superada no passar dos anos por algumas obras ruins e pelo foco em outros grandes super-heróis da DC e de sua principal e histórica concorrente, a Marvel Comics.
“Você acredita que um homem possa voar?”
Essa pergunta ecoava nas chamadas da TV quando o filme Superman: O Filme (1978) estreava nos cinemas. Para mim, um mineirinho nascido em outubro de 1976, ela foi mais do que uma campanha de marketing — foi o início de um encantamento. O Superman foi o primeiro super-herói que conheci.
Edição de Action Comics #1 vendida em leilão por US$ 6 milhões – Imagem: Casa de leilões Heritage Auctions
Em minhas memórias de infância, ainda que convivesse com personagens icônicos como He-Man, Lion-O de Thundercats e vários outros, nenhum me marcou tanto na TV quanto o Superman (na época, ainda Super-Homem) de Christopher Reeve. A magia de assistir à versão em live-action do personagem animado que via no desenho animado Os Super Amigos ganhando as telas da TV e, anos depois, nos cinemas, nunca deixou de me fascinar.
Mais do que um personagem de quadrinhos interpretado por um astro do cinema, Superman se tornou um símbolo pessoal de força, justiça e esperança. Esta é a primeira parte de uma jornada pessoal e cultural com o Homem de Aço.
O PRIMEIRO CONTATO: SUPER AMIGOS E A MAGIA DA INFÂNCIA
Na programação da TV dos anos 80, os desenhos animados da Hanna-Barbera, como Jonny Quest, Scooby-Doo, Os Flintstones e vários outros dominavam as manhãs de sábado. Foi ali, no clássico Super Amigos, que vi pela primeira vez aquele super-herói de capa vermelha, com uma cueca por cima da calça, voando com os punhos cerrados e com o vozeirão do saudoso dublador Maurício Barroso. As dublagens marcantes e as histórias de vilania maniqueístas, com cores vibrantes e vários outros personagens icônicos, despertaram em mim e em milhares de outras crianças o apreço pela jornada do herói.
O Super-Homem do desenho era o líder natural da equipe. Ela não gritava, nunca humilhava ninguém e não precisava provar sua força — ele simplesmente era o maioral. Mesmo pertencendo a universos distintos, nem eu e nem nenhuma outra criança duvidava da superioridade do Superman sobre qualquer outro super-herói da época, como He-Man, Homem-Aranha ou Space Ghost. Ninguém era tão poderoso ou genial como Kal-El.
OS FILMES QUE PROVARAM QUE UM HOMEM PODIA VOAR
Já no início da década de 80, pela primeira vez, assisti a Superman: O Filme (1978), dirigido por Richard Donner. A experiência foi arrebatadora. Christopher Reeve incorporava como ninguém o ideal de herói: gentil e até ingênuo como Clark Kent, majestoso e arrebatador como Superman. A trilha sonora inesquecível (e insuperável) de John Williams, a relação palpável e com muita química entre o herói e a Lois Lane de Margot Kidder, a atuação canastrona e muito carismática de Gene Hackman com seu Lex Luthor, e o tom fantástico e ao mesmo tempo quadrinesco do filme trazia um ar de herói digno de mitologia grega a Kal-El, que reverenciava aquele que veio de Krypton com muita assertividade.
O filme narra a origem clássica e mais que conhecida: o planeta Krypton destruído, os Kents do Kansas, a Fortaleza da Solidão, Lois Lane (Margot Kidder), Lex Luthor (Gene Hackman) e várias cenas inesquecíveis, como Superman salvando o helicóptero de Lois no topo do Planeta Diário ou o voo do casal por Nova Iorque à noite.
Ainda que haja uma ingenuidade típica da era de ouro dos quadrinhos de super-heróis neste e na sequência de 1980, Superman II: A Aventura continua (1980), com soluções simplórias e poderes bizarros, como o “beijo do esquecimento” e “a volta no tempo”, revisitar estes filmes vale muito pelo saudosismo e pelas atuações dos protagonistas.
Esqueça, no entanto, as sequências Superman III (1983) e Superman IV: Em busca da Paz (1987), caça-níqueis horrorosos e inassistíveis.
SUPERMAN: O FILME (SUPERMAN: THE MOVIE, 1978)
Superman: O Filme (1978) – Divulgação: Warner Bros
Direção: Richard Donner
Roteiro: Mario Puzo (história), com Tom Mankiewicz, David Newman e Leslie Newman (roteiro)
Elenco Principal: Christopher Reeve (Clark Kent /Superman), Margot Kidder (Lois Lane), Gene Hackman (Lex Luthor), Marlon Brando (Jor-El), Glenn Ford (Jonathan Kent), Jackie Cooper (Perry White)
Notas: IMDb: 7.4 – Rotten Tomatoes: aprovação de 94% dos Críticos e 86% do público
Sinopse:
Enviado à Terra por seus pais biológicos momentos antes da destruição de seu planeta natal, o bebê alienígena é adotado por um casal de fazendeiros e criado como Clark Kent, um jovem gentil, moralmente íntegro e com poderes extraordinários. Quando adulto, Clark se muda para Metrópolis, onde assume uma identidade discreta como repórter no Planeta Diário, ao lado da destemida jornalista Lois Lane.
Mas quando o maligno e genial Lex Luthor ameaça milhões de vidas com um plano nuclear devastador, Clark abraça seu destino e revela ao mundo seu verdadeiro eu: Superman, o herói de capa vermelha que acredita na verdade, na justiça e no modo americano de vida.
Curiosidades:
- Christopher Reeve ganhou cerca de 10 kg de músculo para o papel, treinando com o campeão olímpico David Prowse (o mesmo que vestia os trajes de Darth Vader).
- A frase promocional “Você acreditará que um homem pode voar” refletia o pioneirismo dos efeitos especiais usados para simular voo, que na época foram revolucionários.
- Marlon Brando recebeu um cachê milionário (US$ 3,7 milhões por 10 minutos de tela) e não quis decorar falas — elas foram colocadas em cartazes fora de câmera.
- O filme foi indicado a 3 Oscars (Edição, Trilha Sonora Original e Som) e venceu um Oscar Especial por Efeitos Visuais.
SUPERMAN II: A AVENTURA CONTINUA (SUPERMAN II – 1980)
Superman II: A Aventura continua (1980) – Divulgação: Warner Bros
Direção: Richard Lester (com filmagens originais de Richard Donner, que foi demitido durante a produção)
Roteiro: Mario Puzo (história), com roteiro adaptado por David & Leslie Newman e Tom Mankiewicz
Elenco Principal: Christopher Reeve (Clark Kent /Superman), Margot Kidder (Lois Lane), Gene Hackman (Lex Luthor), Terence Stamp (General Zod), Sarah Douglas (Ursa), Jack O’Halloran (Non)
Notas: IMDb: 6.8 – Rotten Tomatoes: 85% dos Críticos e 76% do público
Sinopse:
Após salvar o mundo da ameaça de Lex Luthor, o Homem de Aço enfrenta um novo e ainda mais perigoso desafio: três criminosos kryptonianos — o tirânico General Zod (Terence Stamp, numa atuação memorável), a implacável Ursa (Sarah Douglas) e o brutamontes Non (Jack O’Halloran) — escapam da Zona Fantasma e chegam à Terra, determinados a dominar o planeta.
Enquanto isso, Clark Kent aprofunda seu relacionamento com Lois Lane, que começa a suspeitar da verdadeira identidade do repórter desajeitado. Em meio ao romance, Clark decide abrir mão de seus poderes para viver como um homem comum ao lado de Lois — mas quando o perigo se torna global, ele precisará fazer uma escolha definitiva entre o amor e o dever.
Curiosidades:
- Richard Donner havia filmado cerca de 75% do longa antes de ser demitido por diferenças criativas com os produtores. Anos depois, em 2006, foi lançada a versão Superman II: The Richard Donner Cut, com cenas inéditas e tom mais alinhado ao primeiro filme.
- Foi o primeiro grande filme de super-heróis a mostrar uma luta entre seres superpoderosos, antecipando as batalhas épicas que hoje dominam o gênero.
- O icônico vilão General Zod, com sua frase “Ajoelhe-se perante Zod!”, se tornou cult e voltou décadas depois em O Homem de Aço (2013), interpretado por Michael Shannon.
- O romance entre Lois e Clark é aprofundado aqui, incluindo a famosa cena em que ela descobre a identidade secreta do herói (logo abaixo).
A FORÇA DAS HQs: ANOS 80 E A REVOLUÇÃO DE JOHN BYRNE
Também nos anos 80, era um leitor ávido de quadrinhos. Foi justamente em 1986, ano da reformulação do Superman nos EUA, que a minissérie Superman (The Man of Steel), escrita e desenhada por John Byrne, reimaginou o herói para a geração pós-Crise nas Infinitas Terras. O Superman de Byrne era menos divino e mais homem. Ele sangrava, errava, mas mantinha intacto seu código moral.
Capa de Superman, de John Byrne (1987) – Imagem: DC Comics
No Brasil, a editora Abril trazia esse material em revistas como Super-Homem. As capas chamavam atenção nas bancas, e a cada edição eu aprendia mais sobre Clark, Lois, Perry, Lana Lang, Smallville, Metrópolis e, claro, Lex Luthor — agora um magnata corrupto e brilhante, espelho dos novos tempos.
SUPERMAN – A SÉRIE ANIMADA (1996-2000)
Na esteira do grande sucesso da incrível Batman: a Série Animada (1992-1995), também desenvolvida por Bruce Timm, em 1996 estreou no SBT uma outra animação do Homem de Aço que durou 3 temporadas, com 54 episódios que elucidavam melhor o dia a dia do Superman. Com um desenvolvimento muito melhor do que nos filmes de Reeves e em Super Amigos, era perceptível como o personagem principal de Superman: a Série Animada evocava a nobreza de caráter do Superman de Christopher Reeve enquanto apresentava uma gama de outros personagens que só eram conhecidos em outras mídias.
Já estava em minha fase adulta, trabalhando e estudando de segunda a sexta, mas não me furtava a assistir aos sábados ou no tempo livre mais esta animação incrível do filho de Kripton. Anos depois, já tendo acesso ao Cartoon Network, reassisti a vários episódios, ligando várias das histórias da animação às inúmeras sagas clássicas das HQs.
A NOVELONA DO FILHO DE KRIPTON
Ainda nos anos 90, já desanimado com os retumbantes fracassos dos 2 últimos filmes com o Superman de Christopher Reeve, surgia em 1993 uma nova aventura que prometia trazer de volta o azulão em formato de uma série live-action. Em tempos em que a internet andava a passos lentos, não havia um único fã que não tenha se empolgado com a possibilidade de assistir ao herói neste novo formato. Era a estreia de Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman (1993-1997), que trazia os desconhecidos Dean Cain e Teri Hatcher como o casal Clark Kent/Superman e Lois Lane.
Numa época em que éramos fãs de seriados galhofas e divertidos como Alf, o ETeimoso (1986-1990), Barrados no Baile (1990-2000) e Primos Cruzados (1986-1993), nada nos preparou para o novelão cartunesco deste seriado. Com um triângulo amoroso do casal com o Lex Luthor de John Shea, a série focava mais nos conflitos amorosos dos protagonistas, com bandidos da semana e efeitos simples, do que na mitologia do herói. Era uma comédia romântica noventista, mas com cosplay de Superman, bem a cara dos saudosos anos 90.
Ainda assim, quem assistia na época achava o máximo. Só alerto para que não tente reassistir: infelizmente, esta série “envelheceu como leite”.
UM HERÓI, MUITOS SIGNIFICADOS
Para alguns, inclusive para grande parte dos roteiristas e diretores, Superman é um personagem chato e enfadonho por ser quase invencível. Para mim, porém, é justamente sua bússola moral, inabalável diante de um mundo cínico e hipócrita, que o torna extremamente necessário. Enquanto outros heróis vivem atormentados, o Superman carrega o peso do mundo com esperança e leveza. Ele é o arquétipo do Messias, que doa seus poderes para iluminar a humanidade — um mito moderno com raízes bíblicas, mitológicas e pop.
NA PARTE 2 DESTA MATÉRIA…
Explorarei o legado cultural do Superman no cinema e na televisão, revisitando as versões mais marcantes — de Tom Welling a Henry Cavill — enquanto reflito como o herói evoluiu com os tempos sem perder a sua essência. Abordarei ainda algumas referências ao herói na cultura pop e o mito do Homem de Aço. Será um preparo para o novo filme de James Gunn, que estreará mundialmente no dia 10 de julho e cuja crítica publicarei no dia 16.